outubro 30, 2001

A tranquilidade de um jantar em família

A noite estava parecendo que seguia calmamente para o seu término. Jantávamos. A campanhia toca. Digo ao LF, o neto, baixinho: "- estou jantando", como que para avisar -- se for para mim, não posso atender. Nossa, eu que digo tanto a ele que não se deve mentir! Tina, a filha, achando que o argumento era pouco, reforça: Ela está no banho! A lógica impossível de eu estar em dois lugares ao mesmo tempo foi para o espaço, junto com a Lei da Física.

Bem, tanto argumento e de repente na sala, uma grande amiga da minha mãe e minha, que mais vive fora do Rio do que aqui, está dentro pois queria me ver de qualquer maneira, antes de desaparecer outra vez. Pareceu não ter ouvido nada, pois sentou e fiz o mesmo para atendê-la. Cinco minutos ela falou e eu só ouvi.

Campanhia novamente. Era uma outra vizinha, minha professora de Inglês, com a filha de 7 meses no colo e um olhar, caminhando para um pequeno desespero, me avisa que sua chave quebrou na fechadura e, lógico, não conseguia entrar em casa. O nosso cachorro, nessa altura, já achava que era festa e resolve fazer graça. Bem, a primeira visita foi meio que esquecida, pois partimos todos para a questão da porta.

O jantar...Que jantar?

Como moramos no térreo, resolvemos pular o muro para a área dela. LF, o neto titubeou. P, o marido, está com o joelho péssimo. Eu, nem pensar. Minha aula é de alongamento; não é aeróbica. Restou a Tina, que tratou de colocar uma roupinha apropriada para a empreitada.

Pula e constata que a porta, suposta-salvação, dos fundos, está trancada. É claro que esta porta nunca é trancada, pois está com defeito, mas a empregada resolveu "mostrar serviço" e conseguiu trancá-la hoje.

Chama o chaveiro. Lista Amarela na mão, acha-se um chaveiro de emergência. O bebê, nessa altura já enturmadíssima na casa da primeira visita, que também mora no térreo. Ela ficou lá, pois o cachorro daqui é duas vezes o tamanho dela.

Parto para as questões práticas -- Quer jantar? Tem dinheiro para pagar o chaveiro? O bebê já comeu? Sempre que eu não sei o que fazer, pergunto coisas desse tipo. Acho que é para me sentir segura de estar fazendo alguma coisa.

O vizinho do andar de cima que mora numa fazenda e traz de lá o que produz para vender, vem pedir ajuda, pois está tentando carregar parte da fazenda para o prédio e não consegue. LF, o neto, vai carregar as lingüiças, o queijo, os trezentos vidrinhos de doce.

E o chaveiro de emergência que não chega. E essa casa que tem mel? Sempre correm prá cá, mesmo que morem no último andar. Eu tenho uma outra vizinha que já trocou cd de jazz por 1 ovo. Só uma vez; pena. Foi uma boa troca.

Toca o telefone. É a minha mãe. Grito para alguém dizer que ligo depois, ao mesmo tempo que penso em como ela vai me dizer que nunca atendo de primeira. Paciência.

Chega o marido da vizinha da chave e do bebê e, com a tranquilidade, que só os não-envolvidos têm, abre a porta com a chave dele, num ato meio mágico, meio teatral. Marido-Rei da noite.

E o chaveiro? Bem, isso agora é lá com eles. O marido-herói tenta ligar para ele, para suspender o chamado, mas ninguém atende. Acho que o chaveiro trabalha sozinho.

Nessa altura, larguei para lá, pois estava já tudo sob controle. Fui tratar de ouvir as queixas da mãe pelo meu eterno atraso em retornar às ligações.

Pois então, para uma noite que seguia calmamente...