junho 25, 2002

sassevas sà airótsih assoN

Foto: Tom Maday. Woman in dress holds mask and old-fashioned scale.

Como conhecem meu estilo, pressuponho que se lembrem dessa foto e que a tenham observado, conforme sugeri, dias atrás. Desculpem, sou professora e o uso do cachimbo faz a boca torta. Pois então, não queria repetir a bem sucedida iniciativa da escrita coletiva, pois não quero cair no marketing que enjaula as pessoas num único espelho. Porque aí, vocês vão ficar dizendo: Quem, a Joyce, a da escrita coletiva? Portanto vamos mudar. E vamos começar pelo final, feito aqueles filmes que começam como acaba a história. Criar final para uma história que não teve começo nem meio é coisa pra gente grande. E corajosa. Vocês. Uma gente grande inicia, colocando um final; os grandes seguintes, criam as cenas anteriores, até chegarmos ao título. Acho que vai ficar super legal. Com altíssimo gabarito. Coisa para Bergman e Bertolucci nenhum botar defeito.

Inventei essa idéia maluca; tentei não me repetir; continuo na linha amigável de compartilhar: Agora eu começar escrevendo, não. O máximo que eu coloco é: Fim?

Update um: Nossa! Ficou o máximo! E olha que escrever do fim para o começo é uma complicação!

Update 2: Nossa história às avessas foi sugestão da Debby e, aceita imediatamente.


Update 3: E já tem título, sugerido pela Meg "Sempre existem fendas, brechas, janelas e portas laterais."

Update 4: Chegamos ao início, ou melhor dizendo, Claudia enviou-me um começo e o adotei imediatamente.

Update 5: Concluo que é muito difícil inventar um começo para uma história que já tem um fim determinado. Bom mesmo é desconsiderar qualquer fim que se auto-denomine determinado e criar novos começos.

Update 6: Um exercício muito difícil esse que inventei, apesar da "turma" ter dado um "banho" de competência e inventividade.


Update 7: E tem até um lindíssimo prefácio da Síntese das Antíteses."A gente escreve de trás pra frente, de ponta cabeça, de mãos para trás, de olhos vendados. Porque as palavras não têm princípio, não têm fim, não têm meio. São as teias de rede neural que ligam o que eu penso ao que você vê... Ou versa vice."



Sempre existem fendas, brechas, janelas e portas laterais...

"Ela tirou a venda dos olhos e levantou devagar...Era chegada a hora da virada. Com a mão direita segurava a mala feita na última hora. Com a esquerda prendia a bolsa, como se dela dependesse sua vida. Bem, na verdade dependia - a bolsa guardava uma passagem que usaria em poucas horas, seu passaporte e uma bússola que comprara na noite anterior, sempre quisera ter
uma, embora naquele momento soubesse onde ficava seu norte... Soltou a mala e abriu a porta que dava para a rua da liberdade. Mas antes, olhou prá trás mais uma vez... Em questão de segundos refez mentalmente a trajetória que a levou a tomar sua decisão...

Por um momento, pensou em não comer a última pitanga. Tinha medo da mudança de humor, do azedume que viria depois de tanta doçura. Queria prolongar o prazer de colher flores e provar pitangas mais doces que as da infância.
Os dias são assim, iguais e avessos. A alegria desses momentos tolos e naturais à semi-sombra de uma jovem pitanqueira, disputando frutos com passarinhos, jorrou um dia inteiro. Agora, comesse a última pitanga, seria um rio de lamúrias. Ela sabia...
Atirou longe o frutinho, e deu-lhe as costas, nem viu a festa dos coleirinhas. Submergira na sobriedade besta de sempre.
Sorte dos passarinhos...

Ela tentava explicar às amigas como é que tudo deu em fracasso, explicava como é que uma mulher se podia deixar enganar tanto e uma vida inteira a perseguir as fantasias que lhe impunham como se fossem dela, como se fosse esse o seu sexo e afinal não era... ela era outra mulher que não a mulher que todos queriam que ela fosse que a sua mãe e a sua avó foram, que ele queria que ela fosse. Só muito tarde ela se descobrui essa mulher inteira, serena e livre sem expectativas nem a dependência milenar das mulheres aos homens. Não, ela não mudou de sexo nem foi para freira... Apenas ficou igual a si mesma e passou a amar-se primeiro a ela... Depois foi mais fácil e verdadeiro amar os outros, inclusivé a "ele" que tanto mal lhe fizera...

E aí ela viu o dia amanhecer e quis continuar na cama: não era preguiça, era abandono.
Ficou quieta, ouvindo os movimentos da rua, sem se atrever a qualquer movimento: teve medo que seus passos pisassem caminhos errados, mais uma vez. Tentou não pensar; mesmo assim, quis chorar - mas não o fez. Ficou esperando o arrastar das horas, na infinita continuação dos minutos, descer novamente sobre a noite. Então pediu às estrelas um sono calmo, longe dos pesadelos, e que o novo sol no horizonte fosse capaz de queimar os vestígios daquele insuportável desencanto... (Debby)

Ainda em seu despertar (?) foi parar lá, há 5 anos atrás. E, por conta das máscaras ou não, sentia-se feliz ou isso era só uma peça do cenário imóvel que servia-lhe de pano de fundo? Criava os filhos; cuidava da sua casa e sua vida era protagonizada pelo cenário da sua sala. Coisas nos lugares; perfeito domínio sobre o ambiente; tudo conhecido e arrumado. O homem ao seu lado, concluia agora, ainda lhe era familiar, como peça da sua vida ou de sua sala? Não conseguia definir em que momento essa boca e esse corpo ficaram deslocados ou desfocados do seu cenário.

Sonhara ou vivera mesmo aquilo mais uma vez? Uma boca desconhecida na sua; um corpo que lhe pesava. A conhecida sensação tão cantada de ser mulher-só isso, em vez de feliz.

Acordou de súbito, ele (quem era, mesmo?) estava lá. Sentiu-se amassada, as costas reclamando do colchão. Ficou minutos deitada, dividida entre a vontade de chorar e de gritar, se rebelar... mas preferiu se repetir.

Levantou-se, pegou uma a uma as peças de roupa espalhadas pelo chão e vestiu-se. Como sempre, atentando para o mais ínfimo detalhe, cada ruga, cada pêlo, cada pequena lembrança. O homem na cama, quase um estranho, a deixava assustada.

Com o passar dos anos, na tentativa de se ajustar à realidade que a despertava diariamente, acabou achando natural descartar pelo caminho tudo que julgava como excesso, pequenas vaidades, certezas, desejos. Pensou que esse processo fazia parte de um amadurecimento pessoal e que as buscas de outros tempos já haviam perdido o significado. Talvez ainda não tivesse percebido até aquele momento, que acabou permitido que se perdessem junto com essas aspirações menores, pedaços que a traduziam profundamente e que eram vitais na sua vida. Seria possível ser feliz assim, incompleta?

Esta sempre fora sua escolha. Ela era a mulher do não. Achava que negando-se os pequenos prazeres mereceria alguma espécie de premiação divina. Ela deliberadamente escolhera a falta, o ralo, o pouco, o mínimo. Economizava sorrisos porque cria que o sofrimento purificava. Amarrava-se ao próprio cotidiano insosso como um capitão que quer afundar junto com seu navio. Era assim que ela gostava.

Reconstituiu todo o dia anterior. Onde estacionara o carro. A luz que emanava do andar superior e o olhar cuidadoso, o mesmo que - como sempre dizia para si própria - era capaz de ver através do desconhecido, para trás, o passado, e para os lados, o que acontecia à sua volta. Diferente dele, que imaginava que pessoas são seres fechados como casas com portas e janelas vendadas... Ela nunca cairia nesse erro, afinal, quase todos esqueciam que uma casa é assim como a vida: as portas e janelas não se abrem só para a frente: existem sempre fendas, portas ou janelas laterais. E ela, sabendo disso, nunca deixava rastros desnecessários...Não... ela era dona, sim , pelo menos aparentemente, do seu presente, Não deixava marcas e a indiferença dele era realmente o resultado dos golpes - fatais -da rotina.

Aniversário de casamento, ele esquecera. Saiu para o trabalho com o mesmo beijo mecânico de quem diz "me esquece". Os filhos, só lembranças nas fotos, gente que ela não mais conhece. O espaço de um dia a preencher, vazio.

Acordou no meio da noite, assutada. Pareceu-lhe ter ouvido algum barulho, mas tudo estava em silêncio. Olhou para o lado à procura do amado e não o encontrou. Só então lhe veio à mente tudo que ocorrera na véspera.

Sua garganta se fechou em um nó. Tentou falar, não conseguiu. Notou que suas mãos tremiam, e que suava frio. O corpo cansado pedia socorro. Seu coração, em maremotos, pedia paz.

Sentou-se para escrever, numa tentativa de esvaziar a alma, soltar as amarras e as amarguras. Pensava na vida como uma estrada sem sentido, caminho sem direção, atalhos que não levam a nenhum lugar... Vem pensando nas despedidas: alguém que ama parece estar sempre prestes a partir e ela ainda não aprendeu a conviver com as perdas. Mas arruma as malas – as próprias -, e faz planos, sorrindo diante da novidade que a espera... Sua melancolia aumenta e ela tenta segurar o tempo, parar o ritmo das horas, conter os minutos... Inútil: essa sucessão dos ponteiros não pode, nunca, ser estancada.

E nesse momento, colocou no som mais alto que podia, aquela que era a música daquela história.

Afinal, toda a sua vida havia considerado as suas circunstâncias, mais do que a si mesma. E, se deu conta de aquela máscara era móvel. Poderia definir o nível de não-ver enquanto quisesse; da mesma forma, decidir-se por ver era sua opção agora. E viu que o que ele estava a lhe dizer com o seu amor declarado.

Sentiu-se perdida em suas escolhas. Apesar de pouco à vontade, neste momento não poderia contar com outra pessoa para ajudá-la, nem o queria. Achar a solução unilateralmente era o que ela precisava para crescer.

E então ela tomou sua decisão. Vendou os olhos e sem enxergar, pôde colocar seus instintos à postos... e eles lhe mostraram que destino não existe. O que existe são sinais que seguimos ou não. E que a conspiração é uma teia tecida com as próprias mãos."