fevereiro 17, 2002

A feliz mulher mal-casada

É o que dizia o povo da família, sempre que se refiriam à Celinha. O diminutivo já ia por conta do sentido de coitadinha que as gentes da família insistiam em aliar ao seu nome. Ela, rodeada da escadinha dos cinco filhos, mantinha o ar sereno, distante, calmo, como se tudo aquilo ao seu redor não fosse a essência e parecia, isso sim, viver no aguardo do seu clímax.

As sobrinhas do lado "estável" da família não entendiam chegar da escola e não ir para lá, em vez de irem direto para casa. Apesar do pouco dinheiro, sempre havia um bife sendo frito naquela hora -- com o melhor cheiro do mundo. E sempre havia a fome dos adolescentes, falando mais alto na hora do almoço. E cada uma das sobrinhas tinha lá as suas razões para as visitas freqüentes.

Umas iam por causa dos cinco primos que brigavam, corriam, riam pela casa pequena como se estivessem na praça. Uma ia, após o trabalho para olhar para a casa do namorado, que ficava na frente do apartamento da Celinha. Esta sobrinha ficava ali, esperando vê-lo chegar ou sair, naquele comportamento típico dos relacionamentos inseguros. E todos eram bem-vindos, numa calma de quem vive uma vida sem qualquer tipo de problema.

O que todos consideravam O problema - um marido ausente e jogador - para ela era circunstancial e, apesar da sua calma, nunca se soube de alguém que se atrevesse a soltar um mínimo comentário sobre os seus defeitos. Não se sabe como, mas ela fechava essa possibilidade com olhos absolutamente apaixonados.

A cada volta do viajante e na impossibilidade de comprar coisas novas e esperá-lo em festa, mudava os móveis de lugar: o sofá no lugar da poltrona, a mesa ia para baixo da janela e assim dava á casa um ar de novo. e se preparava para receber aquele que era a razão da sua vida.

Novamente, ninguém entendia isso. Só ela. E lá, nesses fortuitos momentos de amor, se revigorava para a próxima ausência.