dezembro 28, 2002

Fora virose mal-vinda!

Tudo bem, sei que tem gente que adora uma doencinha leve; nada grave. Conheço uma pessoa (e devem haver muitas), que usa dessas mazelinhas no seu show eternamente em cartaz, para prender o marido, ganhar atenção; isso porque se pendurar no lustre da sala não dá mais para fazer na idade dela.

Mas definitivamente não é o meu caso. Anulo, nego, chuto o balde e, finalmente, muito a contragosto vou ao médico. Isso depois de uma garganta que não servia mais para engolir nada, um ouvido que resolveu batucar feito um tambor e que quando cansou do batuque resolveu entupir. Passei a ouvir as coisas lllllllooooooonnnnnnngggggeeeeee! Parecia que estava num vôo, naquela hora que o ouvido fecha. Só que no vôo, ela abre e em terra manteve-se oco. Uma chatice chamada otite.

A médica me receitou antibiótico por 10 dias o que me faz crer que seja alguma coisa gravíssima. Aliás, tive essa certeza ao ler a bula do remédio. Fala sério? Você já leu bula de remédio? Se você estava mal, ficará péssima! Mas, apesar dessa orquestração toda para me fazer crer que essa otite estava com tudo, vou acabando com ela e não a aceito por mais de dois dias, se tanto!

Enfim, apesar desse desastre virótico, mas não transmissível e ainda meia oca, fui visitar a minha mãe que agora está numa clínica, muito bem obrigada. Tão bem, que invariavelmente pergunta quando nós vamos embora. Hoje nosso encontro foi no jardim. Ela com a sua babá (enfermeira), as filhas, as netas e um dos bisnetos. Reclamou que não come nada salgado...salaminho, por exemplo! Aos 89 anos, reclamar da falta de salaminho não é para qualquer um.

E pensar que adiamos tanto essa decisão de colocá-la numa clínica, nos remoendo em culpas, baseadas em reportagens sobre idosos abandonados, que contaram para nós e nós acreditamos.

A dificuldade dessa história é você entender que a qualidade de vida, a aspiração da gente muda com a idade. E temos a tendência a conceituar qualidade de vida do ângulo da nossa idade. Então queremos encaixar a mãe idosa, naquilo que é importante para nós ou no que definimos que ela deveria gostar de fazer aos 89 anos. Mas, péra aí, se eu não sou ela e não tenho 89 anos, como é que eu posso definir isso? Penso que como as filhas são mais jovens tomam o autoritário papel de mãe da mãe e, tal qual pusemos um dia casaco nos nossos filhos, quando nós sentimos frio, repetimos com a nossa mãe os mesmos enganos. A máxima dos negócios vale para cá também. Tem que ser bom negócio para todas as partes envolvidas. A família tem que dar uma remexida e aceitar o idoso como parte dela, como ele é hoje e não tratando-o como ele foi um dia, pois dessa forma serão inevitáveis os desapontamentos. E se você está de peito aberto irá se surpreender com um bom humor irônico, certas observações sábias, ao lado de períodos de confusão mental.

Antes de decidirmos sobre a clínica tentamos animá-la com vários recursos: escrever cartas, fazer contas, palavras cruzadas, bordar, televisão, rádio de cabeceira, walkman -- nada! Aí você começa a brigar com a falta de vontada da sua mãe; se pergunta cadê aquela pessoa disposta que nos ajudou a criar os filhos; você não a reconhece mais, na sua falta de vontade, na ausência de qualquer desejo além de dormir e de comer. Ela precisava de alguém que estivesse disponível para ajudá-la, para cuidar dela; para levá-la para passear; enfim, como ela dizia: uma babá.

E aí decidimos pela clínica e sabe por que acho que acertamos? Porque ela encontrou a Arlese que ela é e, a partir daí, nós a reconhecemos também. Ela está satisfeita, pois tem uma "babá" à mão; uma companheira de quarto e ambas se ajudam; seus brincos ressurgiram de onde estavam esquecidos; tem fisioterapia duas vezes por semana; tem festa e temos nós, que vamos visitá-la com prazer, levando o tal do salaminho, na próxima vez.