Publicado no JB de hoje, p.7, Viagem, da obra de Fernando Pessoa.
Dobrada à moda do Porto
Um dia, num restaurante,
Fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.
Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta.
E vim passear para toda a rua.
Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo...
(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim,
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje).
Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor, porque é que me troxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-no frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio frio.
janeiro 06, 2002
"Versos Apetitosos" Álvaro de Campos
0 Comentários:
Postar um comentário
<< Página inicial