janeiro 19, 2003

Aos homens

preconceituosamente ou por pura desinformação ou ainda por força da nossa perversa cultura que eleva a posição masculina e, digamos assim, ainda vê com uma certa desconfiança as ações femininas, confesso que esse é um relato puramente feminino; não feminista, pois sou mais do ato do que das falas nessas questões das dualidades.


Sempre (I)

fiz muitas concessões. Em Nome do Pai, em obediência à mãe, em nome da família, em nome da tal da convivência pacífica e em nome de sei lá mais o que, fiz concessões.


Chega

uma hora, em que alguma coisa dentro de você diz assim: Pronto! Missão cumprida.


E

nessa hora, timidamente descortina-se a possibilidade de você se conceder, o que sempre concedeu aos outros.



Abrir

um espaço seu. Parece mentira, mas esse pedacinho aqui foi a minha primeira incursão por esse terreno propriedade da minha vontade. E começo a alargar esse terreno.


Sempre (II),

como fiel integrante da classe média, (no tempo em que classe média era média mesmo e não tinha essas letrinhas todas que hoje a dividem em classe média a, b e c), tive um Infância feliz, juventude idem, sempre vivendo com a família, na zona sul do Rio, viajando para Teresópolis ou para as estações de água. Tinha o meu quarto. Ele não podia ser arrumado do jeito que eu queria, pois ele fazia parte de um contexto decorativo-familiar e grandes dissonâncias não eram bem-vindas.


Digressão I

Nessa época também pouco se me dava se era assim ou assado. Meu espaço favorito era a rua, a praia, os amigos, a turma, as festas. As passageiras fossas (depressões amorosas) eram curadas nos ouvidos das amigas, que sempre tinham soluções convincentes que me arrancavam da tristeza e me convenciam de que aquele cara lindíssimo estava interessadíssimo em me conhecer, etc e tal. Essa informação sempre foi imbatível para me tirar das fossas. Hoje em dia, um baton dá conta do recado na boa. Uma das vantagens da gente crescer é simplificar as soluções milagrosas.


Casei

Mas, voltando... Aí você casa e pensa: vou ter a minha casa. Mais ou menos. Há que considerar o gosto do marido. Pelo menos eu fiz isso. E ela ficou com a minha cara e a dele. As minhas músicas favoritas inundavam o ar, com o som na altura que eu queria, quando estava sozinha em casa. Tudo bem que eu abaixava quando o marido chegava. Mas havia ar suficiente, para inundar o ar com as minhas preferências.


Segue o tempo (I)

e na sua caminhada, os filhos nascem e aquele cantinho lindo tem que dar lugar ao carrinho mais lindo ainda do bebê tão esperado. Mais tarde às bicicletas, pranchas de bodyboard e ao pé-de-pato. Aquela música com que eu inundava a casa, dificilmente chega à última faixa do cd; alguém me convence de que tem um rock pauleira, um pagode ou um estilo qualquer que eu vou adorar. Lá se vai a minha música de volta para o porta-cd.


Segue o tempo (II)

e nesse seguir, é um tal de abrir mão, que fechá-la fica difícil. Para falar a verdade não quero fechar nada. Primeiro porque você cria uma família e por mais que ela passe a ter vida própria, é parte da sua vida. Só que você descobre que a sua vida pode conviver pacificamente com muitos lados e que você pode construir outras coisas.


Segue o tempo (III)

Pois então, por amor ( não tem nada a ver com a novela que dizem que vale a pena ver de novo e que está passando na co-irmã.) você dá tudo à família; seu prazer reside nessa doação. Sem cobrança, porque se não for assim, não há família que agüente.

Só que agora quero mais um canto novo, minha música inundando o ar, entre papéis e projetos espalhados pelo escritório. Na nova casa, sou simplesmente a pessoa física, com o som na altura que eu quiser e que respeitar os vizinhos. Posso pintar a parede até de laranja, vermelho ou verde. Não sou mãe, esposa, filha ou irmã. Ninguém me conhece ou sabe quem eu sou, o que fiz ou o que faço. A ilustração do cenário é da sua conta e de mais ninguém.

Ontem troquei o segredo da porta. Bem significativo isso. Agora, eu, tenho um escritório-cofre, um espaço do qual só eu tenho a chave. A chave da paz interior.


Segue o tempo (IV)

E a família vai bem obrigada, como que reconhecendo que a boneca de pano aqui tem direito às suas horas de boneca-viva.


Segue o tempo (V)

Segue para onde? Para onde o vento soprar, porque andar contra o vento cansa. E afinal, quem sabe do amanhã? De qualquer forma vale a máxima: Mãos, só as que dizem: Vamos!