maio 11, 2002

A pergunta do Epifanias Imperfeitas ou da série-- pena que está grande e ninguém vai ler.

Como todo leitor de blog já sabe, aqui nesse pedaço é sempre aconselhável ler os escritos de baixo para cima, sob o risco de algumas vezes não entender nada. Pois então, continuando o post de baixo, a pergunta ficou na cabeça.

"(...)Não esquecer tem cura?" Eu pensei e pensei e concluo que não tem cura, porque lembrança não é doença medicável.


Como esquecer de quem foi na minha vida a minha mãe? Aquela que costurou para ajudar o meu pai a comprar a casa; para colocar as filhas no melhor colégio; que aprendeu a costurar sozinha, por pura necessidade, sem nunca ter gostado de costurar; que nunca conseguiu ou se interessou em aprender uma única frase em inglês, apesar de estar casada com um?

Como esquecer aquele inglês que foi o meu pai e que, a qualquer hora do dia ou da noite, te convidava para um chá? Aquele homem educado como o que, funcionário federal, que trabalhava no Cais do Porto e tratava os estivadores, chefes, exportadores do mesmo modo respeitoso? O seu ar de David Niven, cultivado com esmero, que com um salário bem médio peitou comprar um apartamento na Zona Sul, educou as filhas e lhes ensinou tanta coisa, que se elas não aprenderam o problema é delas.

Os meus filhos pequenininhos, nos seus carrinhos, seus tombos, suas alegrias e suas primeiras decepções?

Como esquecer as pessoas legais que cruzaram a minha vida e me surpreenderam com sua amizade?

O primeiro namorado, não ele, pois nem me lembro mais com nitidez, que cara tinha. Mas o lugar de primeiro namorado está aqui, em algum lugar guardado. As decepções amorosas, já agora esmaecidas pela distância e de sem importância no atual estágio, mas aqui, num pequeno espaço dessa cabeça.

O pedido de noivado, o casamento, o nascimento dos filhos, os chefes chatos, os insuportáveis, os do coração. Todos eles, esquecíveis ou inesquecíveis por mérito, também estão aqui.

O homem da sua vida esteja ainda junto ou não de você, como esquecer?

Aliás meu analista sempre me perguntava: Já encontrou o homem da sua vida? E eu, apesar de casada há muitos anos com o mesmo homem, nunca entendia a pergunta, pois nunca soube se nessa categoria antiguidade é posto. Como nunca tive essa certeza, creio que neuroticamente negava a resposta afirmativa, pois acho que sempre se espera mais do que já se tem.

E hoje imagino que estava certa. De repente, concluo que há o de fato e o de direito. Antiguidade só é posto na história da vida e do mundo; é boa para definir e identificar eras, séculos e períodos por que a vida da gente passa. Só isso.

O homem da vida da gente é atemporal; transverso, ele corta você das suas circunstâncias terrenas e são os dois transportados a um outro lugar, feliz parêntese, pois só se quer aquele que abre; o outro que fique lá nas expressões matemáticas em que 1+1=2. Aqui a continha é outra e o todo é muito, muito mais do que a simples soma das partes.

Se esse lugar for amiguinho das suas circunstâncias temporais, muito bom; se não for, não é isso que vai fazer você esquecer-se dele ou torná-lo temporário. Isso é marca indelével no coração. Você pode até tentar tingir com uma tinta parecida; mas você sabe que essa é só uma forma de fingir que está tudo igual.

Uma coisa que eu não quero lembrar nunca é de ter sido covarde diante dos presentes que a vida dá. Recusar presente é falta de educação, conforme o Lord pai me ensinou.