abril 06, 2003

Se minha mãe ainda estivesse atendendo o telefone...

Se ainda estivesse por aqui e não por aí, sinto que muito bem, mas não sei onde, eu ligaria para ela como fiz tantas vezes e não sei o porquê de não ter feito mais. Ligaria para ela para contar como o Rodrigo, o bisneto número 4, está gordo e uma graça. Ligaria e ouviria ela dizer: Imagine só e começaria a escutar o relato inevitável de uma infelicidade qualquer, acontecida com alguém. Ouviria os seus planos, aborrecimentos e, praticamente não teria tempo para contar-lhe nada, pois não achava justo aborrecê-la com as minhas coisas. Ela me deu tanta coisa, tanto apoio, tanta cumplicidade, que essa era uma das minhas formas de retribuir.

Engraçado como já por diversas vezes pensei em pegar o telefone e ligar-lhe. É a força do fio do telefone, que creio, metaforicamente, representa a ligação, o umbigo, sei lá.

Hoje, fazendo o almoço dominical da família, olhei para a cadeira da copa em que sentava e me ajudava, descascando batata, cortando os temperos, feliz por sentir-se útil. Nossa! como é importante você ter saudades e não mágoas ou culpas quando as pessoas muito queridas partem. Se saudade já é pesada, quanto mais aliar a ela rancores sem resgate.

Não adianta aconselhar, muito menos querer tornar audíveis experiências para quem não está com ouvidos para ouvir, todavia, assim que o entorno deixar, resgate os seus amores já, agora, nesse momento. Limpe a área, tire os entulhos do caminho e se abra para aceitar a mãe, o pai, todos os que amar, como pessoas destronados dos lugares dos pais, pois esses lugares às vezes vêm misturados tal qual numa igreja barroca, que com tanto anjinho, não nos deixa ver o santo.