abril 18, 2003

Pedra ou areia?

Andei na praia, antes dos peixes acordarem. Pisei na areia e marquei, por segundos os meus passos. Logo vinha o mar e desmanchava tudo e ficava a areia à espera das novas marcas.

Enquanto a areia-terra aceita as marcas impostas, as pedras, colocadas à beira do mar para refrear a sua força e fúria, parecem ser indissolúveis e nada vulneráveis à ação das águas.

Lá ficam elas, paradas e assim, recebem e deixam que o mar as banhe e afague, sem nada dar em troca, numa atitude de total indiferença, comum aos que se sentem superiores.

O mar, porém, silenciosamente, dia após dia, tempo após tempo, vai corroendo a pensada invencível barreira, até o dia em que mais pedras têm que ser colocadas para manter a barreira protetora.

Já a areia, que aceita as águas sem se encharcar, que aceita as marcas e a sua retirada, vai vivendo em paz com o turbulento mar, e cria, silenciosamente, em seu interior, a vida.

Meio parecido com as gentes; uns mais para pedra e outros mais para areia.

abril 06, 2003

Se minha mãe ainda estivesse atendendo o telefone...

Se ainda estivesse por aqui e não por aí, sinto que muito bem, mas não sei onde, eu ligaria para ela como fiz tantas vezes e não sei o porquê de não ter feito mais. Ligaria para ela para contar como o Rodrigo, o bisneto número 4, está gordo e uma graça. Ligaria e ouviria ela dizer: Imagine só e começaria a escutar o relato inevitável de uma infelicidade qualquer, acontecida com alguém. Ouviria os seus planos, aborrecimentos e, praticamente não teria tempo para contar-lhe nada, pois não achava justo aborrecê-la com as minhas coisas. Ela me deu tanta coisa, tanto apoio, tanta cumplicidade, que essa era uma das minhas formas de retribuir.

Engraçado como já por diversas vezes pensei em pegar o telefone e ligar-lhe. É a força do fio do telefone, que creio, metaforicamente, representa a ligação, o umbigo, sei lá.

Hoje, fazendo o almoço dominical da família, olhei para a cadeira da copa em que sentava e me ajudava, descascando batata, cortando os temperos, feliz por sentir-se útil. Nossa! como é importante você ter saudades e não mágoas ou culpas quando as pessoas muito queridas partem. Se saudade já é pesada, quanto mais aliar a ela rancores sem resgate.

Não adianta aconselhar, muito menos querer tornar audíveis experiências para quem não está com ouvidos para ouvir, todavia, assim que o entorno deixar, resgate os seus amores já, agora, nesse momento. Limpe a área, tire os entulhos do caminho e se abra para aceitar a mãe, o pai, todos os que amar, como pessoas destronados dos lugares dos pais, pois esses lugares às vezes vêm misturados tal qual numa igreja barroca, que com tanto anjinho, não nos deixa ver o santo.